Em uma sociedade profundamente machista e hierarquizada como a da América portuguesa, não é difícil imaginar o quanto as mulheres foram empurradas para a invisibilidade. A historiografia mais recente começa, contudo, a mostrar não só uma participação feminina efetiva nas lutas contra o jugo português, como também uma importante atuação à frente de fazendas, propriedades, comércios e negócios.
Em entrevista à CNN, a historiadora e antropóloga Lília Schuwarz, da USP, lembra que a participação feminina existia, inclusive, na cúpula do poder colonial, a exemplo da atuação ativa da princesa Leopoldina, esposa do príncipe Dom Pedro, no processo de independência. Culta e bem informada, tomava decisões na ausência do marido, quando ele viajava.
Foi Leopoldina quem reuniu o Conselho de Ministros quando chegou ao Rio de Janeiro a ordem das Cortes portuguesas para que Dom Pedro regressasse imediatamente à Lisboa. Também foi ela quem enviou ao marido, que se encontrava em São Paulo, a carta que culminou com o Grito do Ipiranga, em 7 de setembro, explicando o profundo descontentamento dos brasileiros com a ordem vinda de Portugal. Leopoldina ainda teve papel fundamental em articulações diplomáticas em prol do reconhecimento da independência do Brasil.
Heroína, mártir e luta cidadã
Na entrevista à CNN, Cecília Helena de Salles Oliveira, historiadora do Museu do Ipiranga, lembra que foram encontrados, no Rio de Janeiro e na Bahia, vários manifestos escritos por mulheres, defendendo a cidadania, a liberdade e a separação de Portugal.
As mulheres da época também reivindicavam direitos civis. Em 1823, por exemplo, numeroso grupo de esposas fez representação por escrito ao já imperador Dom Pedro I, reclamando da “tirania do sexo masculino”, conforme narra artigo sobre os esquecidos no processo de independência. Protestavam contra o fato de não serem cidadãs efetivas: enquanto os homens brasileiros passavam “por sangue” o direito de suas esposas portuguesas permanecerem no Brasil após a independência, elas, brasileiras, não passavam os mesmos direitos aos maridos portugueses, ainda que eles jurassem fidelidade ao Brasil.
A adesão feminina às causas da independência criou, inclusive, uma heroína e uma mártir: Maria Quitéria, baiana do Recôncavo que se vestiu de homem e se alistou como voluntária na guerra contra os portugueses, e Joana Angélica [link para a matéria], sóror do Convento da Lapa, em Salvador, morta pelos soldados lusos, ao tentar impedi-los de entrar na construção religiosa.
Negras e indígenas
A luta contra a tirania e o jugo português não teria sido possível sem a adesão popular, inclusive das mulheres. Conforme o Instituto Búzios, durante a Conjuração Baiana, também conhecida como Revolta dos Alfaiates (ou dos Búzios), foram presas cinco mulheres só nos primeiros 45 dias de repressão aos revoltosos: as pardas Luiza Francisca de Araújo e Domingas Maria do Nascimento; e as negras forras Vicência, Lucréia Maria Gercent e Ana Romana Lopes.
Na Ilha de Itaparica, na Bahia, conforme conta a historiadora Cecília Helena de Salles Oliveira à revista AH, a negra forra, marisqueira e quituteira Maria Filipa de Oliveira link para matéria liderou, contra os portugueses, um grupo de 200 pessoas armadas com facas de cortar baleia, peixeiras, pedaços de pau e galhos com espinhos. Sob seu comando, o grupo ainda queimou 40 embarcações portuguesas que estavam próximas à Ilha.
No povoado de São Pedro de Biapena, no Ceará, a Índia Dionísia link para a matéria liderou um grupo de mulheres que expulsou a bofetadas, serra abaixo, o padre conservador Felipe Mariz, identificado pelos indígenas como ligado aos que se postavam ao lado das Cortes portuguesas e ambicionavam anular antigas mercês recebidas para se apoderarem da terra e da mão de obra indígena. Conforme artigo do professor João Paulo Peixoto Costa, do Instituto Federal do Piauí, o ocorrido foi, muito provavelmente, "uma manifestação limite contra as agressões que sofriam e que não conseguiam pôr fim pelas vias legais”.