As diversas lutas instauradas nas províncias em prol da independência não podem ser resumidas apenas como um conflito entre brasileiros e portugueses. Os lusos até formavam um grupo relativamente coeso, mas o mesmo não se pode dizer dos brasileiros, pois havia entre eles inúmeras divisões ideológicas, políticas, sociais e étnicas.
Entre os brasileiros, existia não apenas cisões entre as elites locais e os indígenas, mas também entre brancos e negros. Segundo livro de João José dos Reis e Eduardo Silva (Negociacão e conflito: a resistência negra no Brasil escravista), os brancos ricos temiam que o processo de independência se transformasse em um movimento mais amplo, caso o discurso de liberdade e libertação do Brasil do jugo português atingisse as senzalas.
O medo do Haiti
De fato, desde a Revolução do Haiti – grande rebelião de escravos que levou a colônia francesa de São Domingos à independência no início do século XIX –, era permanente entre os escravocratas o temor de revoltas entre os negros. Os chamados crioulos (escravos nascidos no Brasil), por exemplo, consideravam-se brasileiros e reivindicavam liberdade. Até porque notícias sobre a Revolução Francesa e do Haiti já haviam chegado às senzalas.
Os portugueses valiam-se disso para justificar a necessidade de o Brasil se manter unido à antiga metrópole: “O mais fatal de todos os perigos é passar de senhor a escravo ou ter por senhores esses mesmos escravos africanos e negros”, publicou o jornal O Campeão Português, em 1822. Entre as elites brasileiras, a atitude, de forma geral, era a mesma de dona Maria Bárbara Garcez Pinto:
“A crioulada da Cachoeira fez requerimentos para serem livres [...] Estão tolos, mas à chicotada tratam-se", escreveu em carta ao marido, um dos representantes do Brasil nas Cortes portuguesas em Lisboa.
A Cachoeira a que dona Maria Bárbara se referia era a vila do Recôncavo Baiano onde haviam ocorrido alguns dos acontecimentos mais decisivos da guerra de independência da Bahia. Certamente, os escravos não reivindicavam a liberdade a partir do nada. Só para ter uma ideia do envolvimento deles, em 1822, portugueses e brasileiros viviam em clima de intolerância e era comum ver jovens negros baianos em confronto com os lusos da província.
Revoltas
A Constituição brasileira de 1824 não mudou o status de escravizado dos negros, represando a demanda por liberdade de uma fatia numerosa da sociedade brasileira. Nos últimos anos do século XVIII, lideranças negras já haviam sido condenadas à forca por seu envolvimento em uma conspiração, chamada de Revolta dos Búzios (ou dos Alfaiates, ou Conjuração Baiana), que almejava um governo republicano e a libertação dos escravos.
Em fevereiro de 1823, o militar Pedro da Silva Pedroso, um mestiço pardo que exercia forte liderança sobre soldados negros, levou o pânico para Recife e Olinda junto com suas tropas de gente de cor e a população marginalizada, numa agitação que assumia, segundo artigo de Wanderson de França, “feitio insurrecional” e que provocava “temores de uma revolução racial”.
A revolta foi sufocada após uma semana, mas, no ano seguinte, com forte participação dos negros, pardos e mestiços eclodiu a Confederação do Equador, um movimento que expunha um descontentamento profundo, que também atingia outras províncias do Norte e do Nordeste do Brasil.
Essas revoltas tomaram forma na década de 1830, como a Cabanagem, no Pará, a Balaiada, no Maranhão, e a Revolta dos Malês, na Bahia, rebelião de caráter estritamente racial, contra a escravidão e a imposição da religião católica, que ocorreu em Salvador, em janeiro de 1835
Após a Revolta dos Malês, parcela expressiva dos proprietários baianos se desfez dos escravos, alforriando-os ou vendendo-os para o Rio de Janeiro.