As pesquisas sobre os indígenas são escassas na historiografia, principalmente quando se trata do século XIX. Mas a liderança da índia Dionísia na expulsão de um vigário em terras cearenses, em 1822, foi, durante muito tempo, parte das histórias contadas pelos indígenas da região, segundo artigo de João Paulo Peixoto Costa, professor do Instituto Federal do Piauí. Em que contexto ocorreu a participação de Dionísia?
Desde fevereiro de 1821, quando D. João VI foi obrigado a jurar lealdade à Constituição, que as Cortes portuguesas estavam elaborando com o objetivo de recolonizar o Brasil, e as tensões com os indígenas aumentaram muito no Brasil. No Ceará, por exemplo, setores das elites locais tentavam dar fim às medidas do governador da província que restringiam o acesso indiscriminado à mão de obra indígena.
Esses acontecimentos elevaram a temperatura nas diversas vilas de índios. Estas eram oriundas da emancipação dos aldeamentos, ocorrida em 1757 junto com a expulsão dos jesuítas do Brasil. Os vereadores indígenas, eleitos nas vilas, atuavam no sentido de denunciar e coibir os abusos, mas encontravam oposição.
Entre as reclamações desses vereadores, várias eram oriundas de Vila Viçosa, localizada no noroeste cearense. Os indígenas de lá reclamavam dos abusos cometidos pelo vigário Felipe Benício Mariz, que, conforme artigo do professor do IFPI, havia estudado no Seminário de Olinda e lutado na Revolução Pernambucana de 1817 contra os liberais que defendiam a emancipação política da província.
A burocracia e as manobras dos opositores não ajudavam a resolver as tensões em Vila Viçosa, até que, em julho de 1822, o vigário foi expulso às bofetadas por um grupo de mulheres do povoado de São Pedro de Baepina, liderado pela índia Dionísia.
“Depois de estarem com seu pároco, que então era o padre Felipe Benício, debaixo de cerco dentro da igreja, por algum tempo, perdoaram-lhe a morte, mas botaram-no serra abaixo, montado no meio de uma cangalha, em uma besta velha piolhenta, depois de ter suportado muitos pescoções que lhe davam as cunhãs” [moças, damas], relatou Manoel Ximenes de Aragão, em 1913, à Revista do Instituto do Ceará.
A expulsão do padre não reduziu as tensões, pois os que se alinhavam com o padre queriam punição. Os indígenas, contudo, não arrefeceram. Ao menos até o fim da Confederação do Equador, movimento separatista que ocorreu em parte da região Nordeste e ao qual indígenas do Ceará link para matéria sobre o Vitorino se engajaram.