A participação dos indígenas no processo de Independência foi bastante ativa, mas essa história está apenas começando a ser escrita. Documentos históricos até então intocados fornecem novas pistas sobre o assunto, como a firme atuação dos vereadores indígenas que ocupavam assento nas Câmaras Municipais de diversas vilas – antigos aldeamentos que froram emancipados com a expulsão dos jesuítas do Brasil.
Antes de irmos adiante, é preciso lembrar que além de serem compostos por inúmeras nações com culturas distintas, os indígenas da América portuguesa viviam diferentes condições sociais, na época da Independência. Havia desde grupos isolados nas matas aos que sofriam com o avanço dos colonizadores sobre suas terras, com muitas mortes, escravizações e resistências.
Havia ainda vários grupos integrados, que moravam nas fazendas, nos lugarejos e nas vilas e que tinham situações jurídicas variadas, segundo disse João Paulo Peixoto Costa, professor do Instituto Federal do Piauí (IFPI), em live sobre a participação dos povos indígenas na Independência. Nestes grupos, a maioria vivia às turras com as elites locais em função dos abusos que sofriam em relação à sua mão de obra e às suas terras.
Desde o século XVI, era comum ver grupos integrados recorrerem ao rei de Portugal contra os abusos sofridos, já que havia uma legislação (ambígua, é verdade) que coibia a escravidão indígena no Brasil. “A figura do monarca representava amparo contra os abusos de proprietários […] Por isso muitos índios tenderam a apoiar o príncipe regente (Dom Pedro) quando as cortes de Lisboa impuseram o retorno de Dom João VI a Portugal”, escreve o professor do IFPI em artigo publicado no site Brasil: Bicentenário das Independências. O que estava em jogo para os indígenas era a manutenção de um protetor contra os abusos das elites locais.
Vereadores e guerreiros
Com a expulsão dos jesuítas do Brasil, em meados do século XVIII, os aldeamentos indígenas instituídos pelos colonizadores portugueses foram transformados nas chamadas “vilas de índios”.
Segundo artigo de Francisco Cancela, professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), embora continuassem tutelados por agentes governamentais, a mudança propiciou a “ampliação das experiências políticas e da consciência histórica das lideranças indígenas, que, ocupando os cargos da governança local, souberam usar o papel das câmaras para negociar seus interesses”. Entre os principais assuntos da pauta indígena, na década de 1820, a liberdade, a cidadania brasileira e o direito à posse de suas terras.
No já citado artigo de João Paulo Peixoto Costa, é explicado que os vereadores indígenas acompanhavam os debates que ocorriam nas Cortes de Lisboa e do Rio de Janeiro, mas sempre conectados com suas questões locais. Ainda segundo o professor do IFPI, nos incontáveis episódios de envolvimento de indígenas em revoltas pela independência, “buscavam muito menos se contrapor aos europeus e mais lutar por uma nova posição social que não os obrigasse ao trabalho forçado” e reconhecesse seus direitos à terra.
Foi assim, com pauta própria, que os indígenas se fizeram presentes em vários campos de batalha em prol da independência, como nas vilas de Santarém (PA), Campo Maior (PI), Viçosa (CE), Trancoso (BA), Porto Seguro (BA) e muitas outras. É importante ter em mente que participaram do processo de libertação da colônia com demandas e projetos próprios. Contudo, a Constituição de 1824, como lembra o professor do IFPI, sequer os menciona, “revelando o silêncio como método de um Estado de proprietários” interessados em negar o direito dos indígenas a terras brasílicas.