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A contribuição do remo para o esporte no Rio de Janeiro
04 Novembro 2015 | Por Sandra Machado
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pavilhao400Com a chegada do século XX, a reformulação urbanística modernizadora da cidade, que conheceu seu auge na gestão do prefeito Pereira Passos (1902-1906), teve reflexos transformadores na cultura carioca e, a reboque, nas práticas esportivas. Até então, durante pelo menos 50 anos, o turfe reinava absoluto como a única modalidade organizada e chegou a ter jornais dedicados exclusivamente a ele. O Jockey Club, aberto em 1868 no Engenho Novo, e o Derby Club, em 1885 no local onde, hoje, fica o Maracanã, logo passaram a reunir multidões interessadas em acompanhar os páreos, como única alternativa de lazer.

Naquela época, eram apenas as pessoas mais simples que se banhavam nos rios ou no mar, muito mais pelo prazer da brincadeira do que por qualquer outro motivo. No entanto, crescia na Europa, para logo depois chegar ao Brasil, o discurso higienista dos médicos, que procuravam disseminar novos hábitos na população, como a necessidade da vacinação, além de alguns parâmetros de salubridade – tanto em relação ao espaço construído quanto ao asseio pessoal.

Surgiram as primeiras casas de banho, de início com instalações que lembravam chuveiros, mas em seguida também nas proximidades do litoral, inclusive em hotéis, que ofereciam infraestrutura para o tratamento terapêutico do banho de mar. Empresas de bonde anunciavam itinerários que chegavam às praias do Passeio e do Russel, atual Praia do Flamengo, e logo alcançavam as localidades mais distantes e intocadas, como a Praia de Copacabana. Os barcos entraram nesse circuito, a princípio apenas como veículos que permitiam aos visitantes desfrutar da praia sob outro ponto de vista.

Trazidos à cidade pelos imigrantes, os esportes eram percebidos pelos gestores públicos como atividades civilizatórias e, portanto, deveriam ser incentivados. A formação de agremiações e o estabelecimento de um calendário organizado de eventos, somados à cobertura da imprensa, completaram um panorama favorável. Mas a atividade da moda ainda não era o futebol. Enquanto em Niterói a preferência recaiu sobre o iatismo, onde até hoje é polo de referência, quem popularizou o gosto pelas competições no Rio de Janeiro e arregimentou todas as classes sociais, com direito a torcidas organizadas, foi mesmo o remo.

tradicao remoCronistas e poetas, inclusive Machado de Assis, passaram a escrever sobre a modalidade. Olavo Bilac, como entusiasta do estilo de vida moderno, também se tornou um grande incentivador. Perspicaz observador do cotidiano, João do Rio resumiu bem a mentalidade geral em uma crônica publicada no livro Pall-Mall Rio: o Inverno Carioca de 1916. “Fazer esporte há 20 anos ainda era para o Rio uma extravagância. As mães punham as mãos na cabeça, quando um dos meninos arranjava um altere. Estava perdido. Rapaz sem um pincenez, sem discutir literatura dos outros, sem cursar as academias – era um homem estragado.”

Diversão para todas as classes sociais

Historiadores informam que, já na década de 1850, se realizavam regatas com a participação não apenas de representantes de uma burguesia em ascensão, mas também de pescadores e de membros da Marinha. Em 1861, o Correio Mercantil fez a cobertura de uma competição que mobilizou um grande público, ressaltando que os brasileiros importavam as regatas da Inglaterra. A preocupação com novidades tecnológicas que aumentassem o desempenho das embarcações era constante.

Logo o remo foi associado a uma estética atlética e viril, o que funcionou como uma eficaz estratégia publicitária. A partir de 1874, o Club Guanabarense inaugurou uma sequência de associações que foram surgindo em diferentes bairros. No trecho desde a Rua Santa Luzia e o Passeio Público até a Enseada de Botafogo, ficava a maior parte das sedes de agremiações e das garagens de barcos. Naquela área passaram a se concentrar outros grupos, que promoviam a natação e as corridas a pé ou de bicicleta. As mulheres nunca participaram das regatas promovidas pelos clubes. Existe apenas o registro de algumas jovens de origem francesa que remavam em Niterói, no início dos anos 1880, e também do Grupo de Regatas Feminino da Ilha de Pombeba, em 1901, que logo desapareceu.

Remo e apostas

Ao longo dos primeiros anos, o modelo de competição – não só do remo, mas de outras atividades esportivas – continuava sendo o turfe. Era possível fazer apostas nas regatas, e as provas eram sempre chamadas de páreos. A partir de uma dissidência do Club Guanabarense – na figura do remador Luís Caldas, que condenava o caráter de jogatina das competições –, surgiu o Grupo do Botafogo, que só passou a se chamar de clube em 1894 e que mais tarde daria origem ao atual Botafogo de Futebol e Regatas.

Em breve as associações do Rio e de Niterói criariam a União de Regatas Fluminense, primeira entidade organizadora da modalidade. Para ser aceito por ela, o clube precisava ter um estatuto, uma diretoria idônea e no mínimo três embarcações. Em 1900, a União passou a se chamar Conselho Superior de Regatas e, dali a dois anos, Federação Brasileira de Sociedades de Remo, nome que, por si só, realça o crescimento do esporte.

As casas de poules só foram definitivamente extintas em 1905, e uma regata realizada em 24 de setembro daquele mesmo ano, com a presença do presidente Rodrigues Alves, marcou a inauguração do Pavilhão da Enseada de Botafogo, obra realizada pela Prefeitura do Distrito Federal. Também conhecido como Pavilhão de Regatas, tinha estrutura de ferro importada da França e foi um centro de lazer para os cariocas até seu desmonte, em 1928, quando as competições se transferiram para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Além das arquibancadas e da tribuna de honra, a construção possuía restaurante, bar e salão de chá, e o público podia, também, alugar ali algum barco e passear pela Baía de Guanabara.

Estrelas botafoguenses, cores flamenguistas e a cruz vascaína

Conta a história que, no dia da fundação do Club de Regatas Botafogo, em 1º de julho de 1894, a Estrela d’Alva – que, na verdade, é o planeta Vênus – teria sido a primeira vista no céu e, por isso, passou a integrar seu escudo. Para aumentar a boa sorte, a partir de 1919 todas as embarcações botafoguenses passaram a ter nome de estrelas ou de constelações. Só em 1943 o grupo se fundiu com o Botafogo Football Club, dando origem ao Botafogo de Futebol e Regatas.

O Flamengo também tem histórias interessantes. Na noite de 17 de novembro de 1895, num casarão situado na Praia do Flamengo, 22, 18 rapazes fundaram o Grupo de Regatas do Flamengo. Para homenagear a recente República, estabeleceram a data de 15 de novembro como aniversário oficial, escolhendo o azul celeste e o ouro para cores da agremiação. A bandeira, de listras horizontais, recebeu um ícone no canto superior esquerdo, com duas âncoras vermelhas entrelaçadas sobre um fundo negro. Numa onda nacionalista, os barcos passaram a ser batizados com nomes de origem indígena. Mas as derrotas sucessivas acabaram levando à mudança das cores oficiais para o rubro-negro.

remo1905Quando o clube passou a ter um departamento próprio de futebol, em 1911, os remadores proibiram a reprodução do padrão dos seus uniformes para os jogadores, por considerarem que o esporte era para moças. Mesmo o termo “torcedoras” – que derivou para a variante masculina que hoje define os aficionados pelo esporte – tem sua origem nas jovens que, aflitas, torciam os lenços à volta do gramado, enquanto seus pretendentes disputavam uma partida.

A primeira camisa do uniforme exibia um padrão quadriculado em preto e azul, e foi logo apelidada de “papagaio de vintém”, porque se parecia com uma pipa pela qual se cobrava aquela moedinha. Considerada de mau agouro devido à derrota nos campeonatos de 1912 e de 1913, a padronagem foi substituída pelas listras em preto e vermelho acrescidos de branco, justamente para diferenciar o futebol do remo. O bicampeonato carioca em 1914 e 1915 mostrou que a mudança deu certo.

O Club de Regatas Vasco da Gama, fundado em 1898, tem na sua bandeira uma cruz da Ordem de Cristo de Portugal, mas que se popularizou conhecida como cruz de malta. O navegador português fazia parte dos cavaleiros da ordem originária dos templários, que integraram a primeira cruzada a Jerusalém. A escolha do nome pelo grupo foi uma homenagem ao quarto centenário da descoberta do caminho marítimo para as Índias. Em 1915, depois de uma fase dedicada apenas ao remo e ao tiro, o Vasco assumiu o departamento de futebol do Lusitânia.

Apesar da importância do remo – primeiro como modalidade que despertou nos cariocas o gosto pelos esportes e, depois, como berço dos times de futebol do coração –, seu prestígio poderia ser melhor na cidade. Com uma obra iniciada em 1954, o Estádio de Remo da Lagoa nunca foi totalmente completado. Mesmo assim, o lugar reunia um público de até 25 mil pessoas nas finais de campeonato dos anos 1960. Desde 1997, no entanto, o espaço que poderia resgatar o hábito carioca de assistir às regatas é explorado comercialmente por uma empresa particular.

Fontes:

Site do Jockey Club Brasileiro, site do Vasco da Gama, slideplayer de Arnaldo Brant.

MELO, Victor Andrade de. O mar e o remo no Rio de Janeiro do século XIX. Revista de Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 23, p. 41-60, 1999.

ROCHA, Eliane Correa da. O aspecto social da iconografia do futebol e estudo de caso das agremiações desportivas cariocas. Dissertação de Mestrado, PUC-Rio, 2008.

 
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