A cidade do Rio de Janeiro tem 70 ilhas espalhadas pela região oceânica e por suas duas baías – de Guanabara e de Sepetiba. A maioria da população carioca pouco conhece acerca do conjunto desse patrimônio natural que teve papel de destaque na história da colonização e ocupação da cidade e que tem significativa importância para a manutenção de várias espécies.
A despeito da alta densidade demográfica atual do município, as ilhas oceânicas, e até mesmo as da Baía de Sepetiba, continuam estratégicas para a sobrevivência de espécies vegetais e animais, a exemplo dos atobás pardos, aves que fazem do Arquipélago das Cagarras um de seus principais ninhais no planeta, e das rãs-da-marambaia, que só existem no entorno da Restinga de Marambaia.
Na Baía de Guanabara, a situação é diferente, conforme escreve o professor Carlos Frederico Duarte Rocha, do Instituto de Biologia da Uerj, no livro Ilhas cariocas, organizado pelo oceanógrafo e engenheiro costeiro David Zee e publicado em 2018. Suas ilhas e ilhotas resguardam apenas uma pequena diversidade de espécies quando feitas comparações com o século XVI, período em que a baía foi disputada por franceses e portugueses e a cidade foi fundada.
Por isso a importância de se preservar as espécies que ainda subsistem, a exemplo do boto-cinza (espécie de golfinho), símbolo do Rio de Janeiro estampado na bandeira da cidade. Esse cetáceo já foi farto na Baía de Guanabara, tal como já foram as baleias. Hoje, vivem nela apenas uns 40 indivíduos, segundo informações do livro.
Alterações humanas na paisagem da Guanabara
As ilhas e ilhotas da Guanabara foram os primeiros territórios ocupados pelos europeus por serem locais estratégicos para avistar os invasores que chegavam por mar. Não por acaso, nelas foram construídos vários fortes de defesa.
Quando Estácio de Sá se instalou entre o Pão de Açúcar e o morro Cara de Cão, na tentativa de retomar dos franceses a região da Guanabara, a Urca era uma ilha (só conectada ao continente no século XX). O chefe da missão francesa, Nicolau Durand de Villegagnon, também estava abrigado na então ilha de Serigipe, onde havia construído o forte de Coligny.
Na época, a ilha era bem mais distante do continente do que é atualmente. Chamada de Villegagnon após a expulsão dos franceses, suas feições foram transformadas, principalmente no século passado, no decorrer da década de 1930, com o aterro para a construção do aeroporto Santos Dumont e com a edificação da Escola Naval. Hoje, apenas uma pequena ponte a separa da Avenida Almirante Silvio de Noronha.
Outras ilhas também tiveram seus ambientes naturais completamente alterados, conforme narra o professor Carlos Frederico, no livro Ilhas cariocas. A antiga Ilha da Madeira, por exemplo, atual das Cobras, que hoje abriga o Arsenal de Guerra da Marinha, foi totalmente aplainada, urbanizada e ligada à Ilha Fiscal (antiga dos Ratos) e ao continente por meio de uma ponte.
Muitas outras ilhas da Baía de Guanabara sofreram alterações radicais pela ação humana. Quarenta delas deixaram de existir, como a dos Pinheiros, incorporada ao bairro da Maré, e das Moças e dos Melões, que ficavam na altura da Rodoviária Novo Rio e foram aterradas, no início do século XX, para a construção das avenidas Rodrigues Alves e Francisco Bicalho.
Há também ilhas que passaram a existir em função das ações humanas. É o caso de Pompeba, formada a partir do acúmulo de sedimentos oriundos das contínuas obras de dragagem da região portuária, realizadas para tornar mais profundas as águas do Porto do Rio.
Outro exemplo é a Ilha do Fundão, que surgiu de um aterro feito entre 1949 e 1952, unindo o arquipélago formado pelas ilhas do Fundão, Baiacu, Bom Jesus, Cabras, Catalão, Pindaí do Ferreira, Pindaí do França e Sapucaia, esta última já inteiramente degradada e transformada em lixão, na época.
Formação geológica das ilhas
Conforme Marcelo Motta, pesquisador de Geomorfologia e professor da PUC-Rio, as ilhas cariocas, em sua maioria, são continuação dos maciços costeiros da cidade. Tratam-se de picos culminantes de elevações que ficaram submersas em função do rebaixamento do relevo.
As rochas que compõem as montanhas e a maioria das ilhas do Rio de Janeiro são oriundas de um processo geológico ocorrido há cerca de 600 milhões de anos, quando o continente de Gondwana começou a se formar a partir da colisão de diversos núcleos continentais.
Essas colisões, segundo o professor da PUC, submeteram as rochas, os minerais e os sedimentos pré-existentes a enormes temperaturas e compressões, criando um processo físico-químico que gerou novos tipos de rochas (classificadas como metamórficas), a exemplo do gnaisse (formado a partir do granito) tão presente em nossas ilhas e montanhas.
Cerca de 400 milhões de anos depois, quando o continente de Gondwana finalmente se partiu, formando a América do Sul e o oceano Atlântico, as grandes estruturas rochosas foram soerguidas e rebaixadas.
As partes que se soergueram são chamadas de horst e deram origem à Serra do Mar (que se situa no fundo da Baía de Guanabara) e aos maciços da cidade (Tijuca, Pedra Branca e Gericinó). As partes rebaixadas são chamadas de grabens e deram origem aos vales, às baixadas e às áreas inundadas pelo Oceano Atlântico, que formaram as baías de Guanabara e Sepetiba.
Segundo David Zee, professor da Uerj, essas inundações ocorreram há cerca de 18 mil anos, com a elevação do nível do mar (equivalente a um prédio de 40 andares) provocada pelo fim da era do gelo, que derreteu um imenso volume de água congelada.
Governador e Paquetá, uma longa história
A produção de cal a partir da extração de conchas de moluscos e mariscos foi uma das atividades que mais alteraram o ambiente das ilhas da Guanabara, no decorrer dos tempos. Isso inclui as ilhas do Governador e de Paquetá, as duas maiores da baía, ambas com histórias antigas de ocupação e exploração.
A Ilha do Governador, provavelmente por ter fontes próprias de água e inúmeros recursos naturais, era habitada desde os tempos pré-colombianos. Quando os europeus aqui chegaram, no século XVI, estavam em pé de guerra os tupinambás e temiminós que ocupavam Paranapuã (como os indígenas chamavam a Ilha do Governador). Esse fato teve papel determinante na política de alianças dos franceses e portugueses e no rumo da história do Rio de Janeiro.
Já Paquetá foi dividida em duas sesmarias por Estácio de Sá, dando o pontapé inicial para o seu processo de ocupação. Mas é bom lembrar que a ilha pertenceu a Magé até 1833, quando passou a fazer parte do município do Rio de Janeiro.
Aliás, não só Paquetá, mas também as 18 ilhas adjacentes, como Brocoió e Tapuamas de Dentro, que conquistaram notoriedade no século XX: Brocoió por ter sido comprada pelo milionário Carlos Guinle, que lá construiu uma mansão (arrematada pelo Governo Federal na década de 1940), e Tapuamas de Dentro, adquirida pela vedete e escritora Luz del Fuego, adepta do naturismo, que fez da ilha um espaço de nudismo.
A Ilha do Governador, tal como Paquetá, tem várias ilhas e ilhotas ao seu redor, entre elas a do Boqueirão, repassada à Marinha, em 1909, para lá abrigar seu Centro de Munição. A Ilha d’Água, que no século XIX, era um dos balneários paradisíacos da cidade, foi transformada em terminal aquaviário da Transpetro, onde realiza operações de cabotagem, importação e exportação de produtos derivados do petróleo.
Prisão e surf na Laje
A Ilha da Laje está situada na entrada da Baía de Guanabara. Por sua localização estratégica, os colonizadores sempre tentaram construir uma fortificação no local, intento difícil de ser realizado pelo fato de ela ser demasiadamente baixa e plana e por ser altamente impactada pela arrebentação do mar.
Fortins foram ali construídos e danificados pela ação das ondas, necessitando sempre de constantes reparos. Ainda assim, segundo o arquiteto Nireu Cavalcanti, autor de diversos livros sobre a história do Rio, em suas masmorras ficaram presos vários revoltosos políticos como José Bonifácio e Cipriano Barata, entre outros. Só no fim do século XIX, com algumas obras realizadas, é que a fortificação se tornou mais segura.
Hoje, o Forte de Tamandaré da Laje está desativado, mas as águas em seu entorno atraem muitos surfistas radicais. É que, em determinadas situações, o mar dali produz ondas gigantes de mais de 5 metros de altura. Vários fatores contribuem para a ocorrência desse fenômeno, entre eles a repentina perda de profundidade (de 13 m para 5 m) do solo da baía, no entorno da ilha.
Oásis no oceano
O município do Rio de Janeiro possui 17 ilhas oceânicas. Segundo o oceanógrafo David Zee, as formações insulares se constituem, de forma geral, em verdadeiros oásis de vida no meio do mar. São vários os fatores que propiciam isso, entre eles o substrato duro submerso, que permite as algas se fixarem no solo do oceano.
As algas, como se sabe, formam a base da cadeia alimentar de inúmeros organismos marinhos. Mas não são apenas elas que propiciam a explosão de vida no ambiente das ilhas. A parte emersa do solo, por ser circundada de água, impede a aproximação de predadores naturais, tornando-se, portanto, um território propício para a reprodução e desenvolvimento de várias espécies de aves.
Nas partes submersas, a vegetação e as reentrâncias das rochas também oferecem abrigo e proteção a várias espécies marinhas. As ilhas oceânicas ainda protegem o litoral, pois reduzem a exposição das praias às ressacas cada vez mais frequentes nesses tempos de mudanças climáticas.
Entre as ilhas oceânicas, as Cagarras são umas das mais conhecidas pelos cariocas. O arquipélago – formado por quatro ilhas principais (Redonda, Comprida, das Palmas, Cagarra) e quatro ilhotas (Filhote da Redonda, Filhote da Cagarra, Pequena, Grande) – foi transformado em unidade de conservação permanente, em 2010, quando foi criado por lei o Monumento Natural do Arquipélago das Cagarras (MoNa Cagarras).
Contudo, o arquipélago das Tijucas – localizado a apenas a 1,5 km da praia do Pepê e formado pelas ilhas Pontuda, Alfavaca e do Meio – tem sua biodiversidade cada vez mais vulnerabilizada, em função da poluição oriunda dos dejetos diariamente despejados nas lagoas da Barra da Tijuca, que são lançados no mar pelo canal da Joatinga.
Localizada na testada da Baía de Guanabara, a Ilha Rasa, que outrora era incluída como integrante do Arquipélago das Cagarras, agora não faz mais parte dele. Sua inclusão na MoNa foi rejeitada, por ser permanentemente “habitada” por quatro militares que guarnecem o farol nela localizado, que sinaliza e monitora as embarcações que adentram a baía.
Sepetiba e Marambaia
Segundo o oceanógrafo David Zee, a Restinga de Marambaia pode ser considerada uma ilha. Afinal, seu ponto mais próximo do continente, em Barra de Guaratiba, é atravessado por um estreito canal que permite uma tímida troca de águas entre a Baía de Sepetiba e o oceano.
A Baía de Sepetiba possui ao todo 11 ilhas. Dessas, apenas quatro tratam-se de afloramentos rochosos. A maioria é formada pelo acúmulo de sedimentos levados pelas correntes internas da baía, pelo vento e pelo mar. A única ilha sedimentar de Sepetiba que foge a essa regra é a dos Urubus, formada pelos sedimentos trazidos pela vazão do rio Guandu.
Lista das ilhas cariocas
A lista abaixo foi organizada pelo Instituto Pereira Passos e integra o mapa oficial da cidade:
Oceânicas
Frade, Rasa de Guaratiba, Palmas, Peças, Pontuda, Alfavaca, do Meio, Comprida, Ilhota Grande, Ilhota Pequena, Ilhota Filhote da Cagarra, Palmas, Cagarra, Redonda, Ilhota Redonda, Rasa e Cotunduba.
Baía de Guanabara
Laje, Villegagnon, Fiscal, Cobras, Enxadas, Santa Bárbara, Pompeba, Fundão, Governdor, Cambembe, Santa Rosa, Raimundo, Mãe Maria, d’Água, Seca, Manoéis de Dentro, Rasa, Mestre Rodrigues, Palmas, Aroeiras, Milho, Rijo, Viraponga, Nhamquetá, Boqueirão, Tipiti-Açu, Manguinho, Comprida, Redonda, Pita, Ferro, Casa de Pedra, Braço Forte, Jurubaíba, Tapuamas de Fora, Tapuamas de Dentro, Itapacis, Paquetá, Folhas, Brocoió, Lobos, Pancaraíba.
Baía de Sepetiba
Urubus, Pescaria, Tatu, Guaraqueçaba, Urubu, Cavado, Nova, Bom Jardim, Baleias, Suruquai, Capão.