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Escola e museu no combate à intolerância religiosa
18 Janeiro 2018 | Por Fernanda Fernandes
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Livreto Religiosidade nos museus é produto da dissertação de mestrado de Carolina Ferreira (Foto: Arquivo pessoal da autora)

Celebrado em 21 de janeiro, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa foi instituído pela Lei nº 11.635, de 2007. A data evoca o falecimento da Iyalorixá Mãe Gilda, do terreiro Axé Abassá de Ogum (BA), vítima de intolerância por ser praticante de religião de matriz africana; e dá luz a um debate ainda pouco presente nas escolas. Sensível à importância dessa discussão, Carolina Barcellos Ferreira, mestre em História e professora da E.M. Cecília Meireles (5ª CRE), na Vila Kosmos, produziu um material pedagógico para ser usado em sala de aula com alunos do Ensino Fundamental II, principalmente do 7º e do 8º anos: o livreto Religiosidades nos museus.

 O material aborda a origem, o significado e o uso de objetos que integram as exposições permanentes: Tempo da Fé (Museu da Maré), Kumbukumbu (Museu Nacional) e Portugueses no Mundo (Museu Histórico Nacional). Traz, ainda, definições e explicações acerca de termos e expressões, como “templo religioso” e “macumba”.

O leitor é convidado a interagir com o material, sendo provocado a observar e a responder questões a partir de imagens e de suas vivências pessoais. Assim, há espaços para que os estudantes colem figuras e fotografias, investiguem e escrevam sobre a origem e o significado de objetos religiosos encontrados em suas casas, por exemplo, e, também, realizem pesquisas em documentos indicados pela autora.

O livreto é parte da dissertação de mestrado de Carolina – “Isso é coisa da macumba?” Elaboração de um material pedagógico de História sobre as religiosidades afro-brasileiras em museus do Rio de Janeiro” (2016) –, cuja proposta é evidenciar que o estudo sobre a história dos objetos religiosos expostos em museus pode ajudar a combater a intolerância religiosa e estimular o diálogo entre os alunos de diversas vertentes religiosas.

O projeto foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e apresentado, no final de 2017, no Seminário Internacional 10 anos de Cooperação entre Museus: Museologia Ibero-Americana e a Declaração de Salvador, realizado em Brasília.

Confira a entrevista que a professora Carolina Barcellos Ferreira concedeu à MultiRio:

Carolina Barcellos Ferreira é professora da E.M. Cecília Meireles, na Vila Kosmos (Foto: Arquivo pessoal da entrevistada)

Portal MultiRio – Como surgiu a ideia de abordar o tema “intolerância religiosa” na escola? Na sua opinião, esse é um assunto ainda pouco debatido com os alunos? 

Carolina Ferreira – A temática surgiu durante as reuniões de planejamento de 2011, quando a coordenadora pedagógica da escola pensou em fazer uma comemoração pela Páscoa. As professoras de História Renata Maia, Patrícia de Andrade dos Santos e eu, sugerimos, em oposição, um evento que debatesse a questão da diversidade religiosa no Brasil, numa tentativa de trabalhar o respeito à diferença. Dividimos as turmas para pesquisarem a origem de diversas religiões e tivemos reclamações de responsáveis de alunos que tinham que pesquisar sobre a umbanda e o candomblé. Além disso, percebemos que os alunos cujas famílias eram adeptas dessas religiões não falavam sobre isso por medo da reação dos colegas de turma. Porém, começaram a relatar com orgulho experiências religiosas familiares quando viram o assunto sendo valorizado pela escola.
É sempre mais cômodo para o professor silenciar sobre o tema, pois somos constantemente acusados de praticar proselitismo religioso quando não nos calamos. Talvez por isso o tema ainda não seja amplamente trabalhado nas escolas. Mas não podemos fechar os olhos diante de uma realidade de violência e perseguição, não só às religiões de matriz africana, mas também ao islamismo. E a melhor forma de combater o preconceito e a intolerância dentro da escola é possibilitando o diálogo entre os próprios alunos.

 PM – E a relação museu-escola, foi pensada a partir de que momento ou constatação? Que potencial você vê nessa interação?

CF – No segundo semestre de 2014, entrei para o mestrado profissional em Ensino de História (ProfHistória), pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Lá, cursei a disciplina de Patrimônio, com a professora Carina Martins (minha orientadora) e, a partir daí, comecei a pensar a relação entre ensino de História e museus.

Também por essa época, fiz uma visita ao Museu Nacional com os alunos do 6º ano e, diante de uma antiga exposição chamada Etnografia Africana, um dos estudantes perguntou: “Aqui é a sala da macumba, né professora?”. Eu não sabia o que responder, mas, depois de pesquisar, descobri que parte do acervo daquela sala era a chamada Coleção Polícia da Corte, que reunia objetos tomados pela polícia no contexto de perseguição às religiões de matriz africana no final do século XIX. Fiquei pensando “Poxa, se eu soubesse disso antes...”. Daí, veio a ideia de fazer a dissertação e o produto trabalhando a história de algumas coleções que tratam da temática religiosa, uma vez que a interação entre esses dois espaços educativos nos possibilita discutir como e por que tais objetos foram criados, a forma como as coleções foram formadas, como foram expostas e com quais objetivos são apresentadas hoje em dia, permitindo inscrever também as religiões de matriz africana na história e na cultura do país, de forma a diminuir a intolerância religiosa que vivem. 

PM – O livreto Religiosidades nos museus é produto do seu trabalho de mestrado. Como esse material foi desenvolvido?

CF – Refletindo sobre as minhas experiências de visitas a museus com estudantes, selecionei três exposições para pesquisar seus acervos – Portugueses no Mundo, do Museu Histórico Nacional; Kumbukumbu, do Museu Nacional e Tempo da Fé, do Museu da Maré – e, depois disso, me aprofundei na história de alguns objetos. Para tanto, foram fundamentais, além da pesquisa bibliográfica, as entrevistas com a pesquisadora Mariza Soares – responsável pela catalogação da coleção Africana do Museu Nacional – e Marcelo Pinto, cenógrafo do Museu da Maré. Foram também de grande valia as orientações de Aline Montenegro, historiadora do Museu Histórico Nacional.

Uma vez elaborada uma primeira versão do livreto, submeti o produto a um grupo focal formado por 9 adolescentes de 12 a 13 anos, todos alunos da Rede Pública Municipal do Rio de Janeiro. Em uma semana, líamos e discutíamos o material referente a um dos museus e, na semana seguinte, fazíamos a visita, totalizando seis semanas. Foi uma experiência riquíssima, pois pude incluir questionamentos feitos por eles e repensar a linguagem e a abordagem de alguns temas na versão definitiva, que foi submetida à banca de avaliação na defesa da dissertação.

Ainda não existem cópias impressas, mas os interessados podem acessar a dissertação completa e o livreto na página da Capes, no link: http://educapes.capes.gov.br/handle/capes/174826

 

Fonte:

FERREIRA, Carolina Barcellos. “Isso é coisa da macumba?” Elaboration of a pedagogical material of History on Afro-Brazilian religiosities in museums of Rio de Janeiro. 2016. 134 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de História) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.

Site da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR).

 
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