A equipe dos programas Rio-Escola Sem Preconceito e Protagonismo Juvenil, da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro – SME-Rio, realizou, no último dia 9, o seminário A Valorização das Ações Afirmativas e do Protagonismo Infantojuvenil, no auditório do Arquivo Nacional, no Centro.
O evento contou com duas mesas-redondas, organizadas pelo professor Jaime Pachecho: As Ações Afirmativas enquanto Valorização da História e Cultura Afro-Brasileira, voltada para os anos iniciais do Ensino Fundamental, com os professores Ronaldo Messias Lacerda, do Ciep Professor Lauro de Oliveira Lima (7ª CRE), e Carolline Ferreira Sotero de Oliveira, da E.M. Ronald de Carvalho (10ª CRE); e A Educação das Relações Étnico-Raciais e o Protagonismo Infantojuvenil, focada nos anos finais, com os professores Pâmela Souza da Silva, da E.M. Levy Miranda (6ª CRE), e Pedro Vitor Guimarães Rodrigues Vieira, da E.M. Mário Paulo de Brito (5ª CRE).
A abertura do evento se deu com Cláudia Tebyruça, da equipe de Educação em Arquivos, do Arquivo Nacional, que convidou os professores a participarem de oficinas pedagógicas organizadas pela instituição – como O Uso de Acervos em Projetos e Planos de Aula – e a organizarem visitas com suas turmas, desde a Educação Infantil, ao local que, além de exposições, abriga uma fábrica de papel. “Em geral, não se fala muito sobre arquivos e memória. Mas podemos pensar, inclusive, em como a escola pode se tornar um polo de memória local”, sugeriu a pedagoga.
Em seguida, o professor de Educação Física Ronaldo Messias Lacerda, do Ciep Prof. Lauro de Oliveira Lima, apresentou o trabalho Africanidades: Uma Educação Física Não Convencional. Mestre de capoeira, ele conta que recebe crianças do 2º ao 6º ano com atabaque, pandeiro e muita alegria. “A proposta é, por meio da ancestralidade e da musicalidade, trabalhar força, lateralidade e flexibilidade, usando a capoeira como base. Trata-se de um encontro com nossas raízes”, explica Ronaldo, que também aposta em aulas teóricas, e solicita pesquisas e trabalhos escritos aos alunos, desenvolvidos a partir das temáticas África, maculelê, samba de roda, afoxé e puxada de rede.
A proposta do professor tem caráter interdisciplinar, em parceria com Língua Portuguesa, Matemática, História e Artes, por exemplo. Os estudantes também confeccionam instrumentos, elaboram e experimentam pratos da culinária africana. O trabalho de Ronaldo Lacerda pode ser visto em episódio da série Práticas que Transformam, da MultiRio.
Professora da E.M. Ronald de Carvalho (10ª CRE), Carolline Ferreira Sotero de Oliveira apresentou seu trabalho intitulado “Eu não gosto que fica me chamando de cabelo duro”: Reflexões e Ações de uma Educação Antirracista na Alfabetização, realizado com uma turma de 2º ano. Carolline citou algumas obras que respaldam sua fala e ampliam o repertório dos alunos sobre o tema, como Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado; Nana e Nilo: aprendendo a dividir, de Renato Nogueira; A história de Chico Rei, de Béatrice Tanaka.
A professora apresentou, ainda, propostas e atividades realizas com os alunos para abordar as relações étnico-raciais, como o uso de um calendário afro, que destaca uma personalidade a cada mês; oficinas de poesia; confecção e pintura de bonecos com aquarela, misturando cores e tons; a organização de um cantinho de leitura afrorreferenciada e outras ideias que surgem a partir da conversa e, sobretudo, da escuta. “Penso em como os conteúdos do bimestre podem dialogar com a temática étnico-racial, valorizo a conversa com os alunos e anoto as falas deles”, conta Carolline, destacando uma atividade na qual pediu para os alunos escreverem o que existe na África e um deles relatou: “pobre”.
Abrindo a segunda mesa-redonda, a professora de Artes Pâmela Souza da Silva, da E.M. Levy Miranda (6ª CRE) discorreu sobre o tema Protagonismo Juvenil e Afirmação de Racialidades: Práticas e Políticas que Extrapolam as Paredes da Escola, partindo da experiência do projeto Solta esse Black, desenvolvido com alunas 9º ano, que leva discussões sobre machismo e racismo para a sala de aula. “As meninas têm o direito de sentir a textura de seus próprios cabelos e de se sentirem bonitas. Precisamos falar dessas questões doídas e profundas. Por que precisamos acionar a força da lei para falar de nossas raízes em escolas onde a maioria dos alunos é negra?”, questionou a professora, referindo-se às leis n.º 10.639/03 e 11.645/08.
Dhandara de Mendonça, 16 anos, participou como aluna do projeto e falou da sua experiência. “O ‘BC’ não é só sobre o seu cabelo, mas sobre você! Hoje, me sinto outra pessoa, me acho linda! E quando outras meninas dizem que se inspiraram no nosso projeto, é muito gratificante”, orgulha-se a menina, usando a abreviação do termo em inglês “big chop” (em português, grande corte), que marca a etapa final da transição capilar.
Finalizando, o professor de Artes Pedro Vitor Guimarães Rodrigues Vieira, da E.M. Mário Paulo de Brito (5ª CRE), falou sobre A Sala de Aula como Espaço de “Negração” (uma alusão à palavra “negação”, como explicou o docente).
Pedro destacou a importância de se deslocar o conceito de negro de expressões depreciativas a um lugar forte e positivo. Em uma de suas práticas, ele pediu que os alunos buscassem o significado de “preto” e DE “branco” no dicionário. “Quando eles leram, perceberam que era racista. E se é racista, podem ‘rasgar’ e reescrever. Não podemos nos esconder. Se algo está ‘apagado’, precisamos escrever. Muita coisa é taxada de ‘mimimi’, mas isso desqualifica sofrimentos que vieram desde os navios negreiros, desde a árvore do esquecimento onde tudo era deixado para trás antes de embarcarem”, afirmou o professor.
A prática de Pedro Vieira com os alunos se dá em uma sala de aula desconstruída, sem carteiras, em que os jovens sentam-se em um grande círculo no chão. Assim, por meio de atividades diversas, ele discute temas como negritude, ancestralidade, luta e privilégios, sem ignorar o que os alunos trazem de fora da escola.
“É preciso conhecer a História, repará-la, combater o racismo e, então, lutar para garantir a equidade. Somos todos seres humanos, mas não partimos de lugares iguais. Precisamos tomar o nosso lugar, para chegar ao topo.”
As alunas Ana Beatriz Saronne e Mayara Nascimento Pinto falaram sobre suas vivências durante as aulas e destacaram algumas atividades propostas pelo professor. “A capa da última prova que fiz do Pedro tinha fotos de várias mulheres negras conhecidas. Foi uma prova com letras de música, muito difícil, mas que dava prazer de fazer!”, contou Mayara, referindo-se a uma avaliação na qual os alunos eram perguntados, entre outras questões, sobre “como se veem enquanto indivíduos que pensam e experimentam a arte” e “como fazer a diferença por meio da arte nos dias de hoje”.