A praça já não é a mesma. Pessoas sentadas nos bancos, crianças correndo por entre os jardins, jovens que chegavam para encontros marcados. Lugar de conversa, de brincadeira, de namoro, de lazer e de ver o tempo passar.
Não faltava o cheiro de pipoca quentinha no ar, o colorido atraente do algodão-doce e o canto alegre dos pássaros nas árvores. E lá sempre estava ele, fotógrafo de jardim, registrando e guardando a memória desse tempo com sua caixinha preta.
A histórica máquina fotográfica do lambe-lambe era um produto artesanal construído e reconstruído pelos numerosos fotógrafos ambulantes que um dia ocuparam as praças deste país. Sem procedência definida, sem autoria registrada, sem marca nem patente, essa câmera laboratório só possuía identificação em sua preciosa lente. E, tão anônimo quanto a máquina, o criativo fotógrafo, algumas vezes, era identificado pelo carimbo deixado atrás da foto que tirava.
A caixa de madeira escura com uma lente objetiva ficava apoiada em um tripé, enquanto o habilidoso fotógrafo, escondido atrás de um pano preto, enquadrava a imagem e, com um clique, tirava a foto. Ali mesmo ela era revelada e entregue ao retratado, que, ansiosamente, esperava para ver seu momento eternizado.
Os fotógrafos lambe-lambes preservavam a memória da comunidade, do bairro, da cidade. Como verdadeiros cronistas visuais, testemunhavam e registravam a vida cotidiana e a trajetória dos grupos locais, principalmente das classes populares, que não podiam deixar-se fotografar nos sofisticados estúdios profissionais. Contribuíram, assim, para a democratização do acesso ao retrato fotografado.
Ao longo de diferentes gerações, esse trabalho foi importante para a preservação e transmissão das memórias familiares, estabelecendo um elo entre as antigas e as novas gerações.
Mas quem inventou a fotografia?
A fotografia, como técnica de reprodução, surgiu no século XIX, reunindo pesquisas, experiências e ensaios desenvolvidos por cientistas, técnicos, matemáticos, astrônomos, físicos e químicos que, junto com alguns inventores, contribuíram para as descobertas no campo da captação e revelação de imagens.
Daguerre e Niépce, na França, Talbot, na Inglaterra, e Herschel, na Alemanha, buscaram com o uso da câmara obscura e das regras de perspectiva renascentista uma forma de reprodução de objetos, paisagens e pessoas através da impressão da luz. Conseguiram suas primeiras conquistas no campo da fotografia por volta de 1830, e Daguerre descobriu um processo mais prático, que ficou conhecido como daguerreótipo, ponto de partida para a fotografia.
A possibilidade de fixar uma imagem prolongava o alcance do olhar no tempo e no espaço, trazendo, para perto, como em uma mágica, objetos e lugares distantes. Desse modo, a fotografia fascinava a sociedade europeia em plena expansão industrial.
A invenção da fotografia revolucionou as relações do homem com a arte e a produção de imagens, cujo aspecto realista respondia às novas necessidades sociais.
Até então, a pintura cumprira o papel de registrar e documentar imagens como forma de eternizá-las no tempo. Com o advento da fotografia, os pintores da época tiveram reações diversificadas às reproduções pelo daguerreótipo.
Muitos artistas, como o pintor fovista Vlaminck, temiam que a pintura fosse substituída pela fotografia. Delacroix, Ingres, Coubert, Manet e Degas achavam que as fotografias poderiam auxiliar seu trabalho, como estudos prévios para as pinturas. Essa possibilidade informativa e documental também conquistou escultores como Constantin Brâncusi e Auguste Rodin.
Rodin usava a fotografia como base para as suas peças e também as utilizava para registrar e documentar suas esculturas. Deixou cerca de 7 mil fotos em seu acervo, muitas das quais tornaram-se cartões-postais de suas obras.
Fotografia é arte?
À medida que a fotografia se desenvolvia, os fotógrafos também almejavam o reconhecimento de seu trabalho como uma forma de arte. Alguns se inspiravam em temáticas de pinturas famosas para compor suas fotos.
Eles começaram a imaginar formas criativas que produzissem diferentes efeitos em suas fotos: desfocavam a imagem, retocavam negativos, coloriam as cópias impressas e usavam outras maneiras de intervenção.
Muitos profissionais se destacaram com tipos diferenciados de fotografias. No gênero de retratos, o francês Nadar usou recursos de iluminação e figurinos para conceber poses em arranjos cênicos que, segundo ele, caracterizavam a personalidade de figuras famosas da época, como Sarah Bernhardt, George Sand e Corot.
Na fotografia documental, o norte-americano Jacob Reis, repórter fotográfico em Nova York, denunciava com suas fotos a vida e as condições degradantes de trabalho dos pobres urbanos de Manhattan.
No século XX, a fotografia já era considerada uma forma de arte produzida pelo olhar sensível do homem e pela modernização da máquina. O francês Henri Cartier-Bresson, pintor cubista, também dedicou-se à fotografia. Suas fotos revelam ações humanas curiosas ou emocionantes e cristalizam o momento de um breve instante em que os elementos em movimento entram em equilíbrio. Ele defendia que o fotógrafo precisava saber olhar o mundo e estar atento para transformar em imagem fixa algo que, na realidade, era passageiro. Seu trabalho procurava, segundo ele, “capturar um momento decisivo”.
Muitos “momentos decisivos”, únicos, marcaram a história da fotografia, capturados por diferentes artistas. O Beijo na Times Square, fotografado por Victor Jorgensen, em 1945, registrou o entusiasmo e a euforia diante do anúncio do término da Segunda Guerra Mundial.
A mais famosa revolta estudantil na China, em 1989, ficou marcada pela foto Massacre na Praça da Paz Celestial, de Jeff Widener, que registrou a força simbólica de um jovem solitário e desarmado que fez parar um tanque de guerra.
Arthur Sasse, em 1951, mostrou a irreverência de Einstein, exibindo a língua para o assédio dos fotógrafos. Mas, talvez, um dos “momentos únicos” mais repetidos por releituras de diferentes artistas e, também, pela curiosidade de turistas do mundo inteiro que viajam até o local para lá serem fotografados é a imagem dos Beatles atravessando a Abbey Road, em 1969, de Iain Macmillan.
No Brasil, em 1840, o abade francês Louis Compte trouxe a daguerreotipia (processo fotográfico imaginado por Daguerre que consistia em fixar em uma película de prata pura, aplicada ao cobre, a imagem obtida na câmara escura) e realizou, com ela, uma série de três vistas dos arredores do Paço Imperial, na cidade do Rio de Janeiro.
D. Pedro II, um colecionador
Mas foi o imperador D. Pedro II o primeiro brasileiro nato a se interessar pelo invento, encomendando um equipamento em Paris. Ele iniciou, pessoalmente, a prática da fotografia e tornou-se um entusiasta dessa arte, patrocinando e distribuindo títulos e honrarias aos fotógrafos que se destacaram na época.
D. Pedro II foi um colecionador de fotografias, formando o maior acervo particular com vários tipos de imagens do período imperial. Incentivou a prática da fotografia entre artistas como Pedro Américo, que a utilizou como um recurso auxiliar para a sua pintura.
A fotografia tornou-se um precioso instrumento para a visão do mundo até então desconhecido e também para a divulgação de trabalhos artísticos.
Mais tarde, Marc Ferrez, um dos grandes destaques no documentário fotográfico, realizou trabalhos que mostravam a família imperial, o país e a paisagem da época. Ele compunha com arte e sensibilidade a cena, indo muito além do simples registro de uma foto.
Com o aperfeiçoamento da aparelhagem fotográfica, a captura da imagem seguiu novos caminhos, sempre reinventando formas de comunicação através da fotografia artística. Na atualidade, o mineiro Sebastião Salgado realiza um trabalho de grande expressão, mostrando sua impressão pessoal de mundo ao retratar as massas populares, os movimentos migratórios e denunciando a opressão social.
Além do reconhecimento da fotografia como forma de arte, sua inclusão em outros campos profissionais foi o caminho natural para essa descoberta tão significativa. Ela aparece ilustrando textos na imprensa, como fotomontagem aplicada à publicidade e incorporada ao trabalho de muitos artistas plásticos.
A fotomontagem é uma composição visual que reúne recortes de diferentes fotografias e que, muitas vezes, é convertida novamente em uma foto. Foi muito utilizada por dadaístas, surrealistas e construtivistas. Diferentemente da colagem cubista, em que artistas como Picasso e Braque acrescentavam às suas telas elementos variados, a fotomontagem usava exclusivamente recortes de fotografias, imagens e tipografias nas composições.
No Brasil, essa técnica teve como precursor Jorge de Lima, que, além de poeta, era pintor e dedicou-se também à pesquisa e composição com colagens fotográficas. Justapondo elementos que chamavam a atenção pelo absurdo, ele se utilizou da estética surrealista em seus trabalhos inovadores.
Atualmente, por meio da edição de imagens por programas de computador, essa técnica é manipulada digitalmente, sem filme, em um efeito similar à fotomontagem.
Os Cartemas
Em 1970, o artista múltiplo Aloísio Magalhães utilizou em seu processo criativo a fotografia como suporte, extrapolando sua função inicial e alargando suas fronteiras. Ele criou os Cartemas, partindo inicialmente da justaposição de imagens, buscando sempre novas e complexas composições. Seu trabalho com postais mistura, inverte e recorta imagens para realizar novas composições harmônicas. Segundo Ariano Suassuna, o cartema é “um trabalho matematicamente organizado e poeticamente resolvido”.
Aloísio Magalhães, como designer, foi também responsável pelo projeto gráfico das cédulas do cruzeiro em 1960, pela criação do símbolo da Bienal de São Paulo e pela marca do Quarto Centenário da cidade do Rio de Janeiro, talvez um de seus trabalhos de maior alcance popular.
Todas as experiências feitas em torno da fotografia geraram múltiplas possibilidades de registros criativos. Tendo a ação da luz como aliada indispensável, artistas de diferentes épocas se utilizaram de recursos fotográficos como o fotograma, técnica presente nos movimentos surrealista, cubista e na pop art.
Man Ray, pintor e fotógrafo norte-americano, realizou trabalhos em que expunha à luz objetos organizados sobre papel fotográfico para que as formas ficassem gravadas, sem o uso da máquina fotográfica.
Desde a descoberta da fotografia, sua história se mistura com a da pintura. Ao contrário do que muitos pensavam, a fotografia fortaleceu a pintura, libertando-a de tradicionais compromissos com a representação da realidade, apontando caminhos de evolução, recriação e transformação. Do mesmo modo, se consolidou como linguagem, evoluiu tecnicamente e hoje está presente no cinema, na televisão, no vídeo, na holografia e em muitos usos científicos.
Texto de Mércia Maria Leitão e Neide Duarte, extraído do fascículo Artes, Artistas e Arteiros, da MultiRio.